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Review Panthalassa

Review de Edileuza Coelho, poeta, sobre Panthalassa, o novo livro da autora brasileira Isadora Salazar.


Ler Panthalassa é aconchegar-se mesmo sobre metralhadoras. É ficar frente a frente com as múltiplas Isa0doras aglutinadas à espinha do texto. Na solidão pandêmica que enlutou o planeta, a solidão de uma Arca de Noé-apartamento às avessas: não quer salvar o mundo, mas sobreviver a ele – Isadora, tal qual Maiakoviski, “toca a flauta de sua própria coluna vertebral”, pois o mundo são as horas que se arrastam devagar e caem no tempo, e formam risos, peixes, e formam dores…Não…nesta Arca não há casal de pombos alvos – salvar o que restou de humano em meio ao “dilúvio-dores”, é que é preciso! Em um texto onde se entrelaçam o trágico e o cru, dialogando de modo crítico com o leitor e a própria vida, um brinco de joaninhas de rubi e um cacho de algodão doce multicolorido sintetizam o assombro da delicadeza e da crueza da vida. Aqui, a graça alcançada é permanecer viva, é manter o sangue túrgido e quente a correr nas ramas de veias, como a aramar um bonsai. Aqui, Deus não é condenador nem redentor, tampouco esse dilúvio durou “apenas” 40 dias! ” E o túmulo dela foram as gretas do ralo de um grande banheiro azul”, nestas linhas, Isadora, chora até escoar-se por inteira pelo ralo do banheiro. Mas não um banheiro qualquer- um banheiro azul de mulher, um banheiro com fendas sexuais. A autora é a própria Arca lutando para respirar na solidão claustrofóbica de um apartamento “com duas filhas e quatro gatas, ou, ao menos, não esquecer que ainda é humana, mesmo que, para isso, precise comungar com os seres anaeróbicos do ralo do banheiro. As imagens de Panthalassa nos levam à reflexão sobre o estranho caos organizado que é a vida: dormimos, acordamos, sorrimos, choramos, e tentamos retirar aquela mancha que jamais sairá do prato de porcelana. Da fala mansa e meiga de Isadora Salazar não restou pedra sobre pedra em muitos parágrafos de Panthalassa: porque a vida é um movimento contínuo de rupturas. E bate. E dói. Então é preciso gritar ” e o meu brado caixa alta reverbera no chute de outras portas”. Ou acinzentar os amarelos-céreos com “urubus rasantes próximos demais ao vítreo de todos os olhos ensombreiam tudo que é pálpebras, espelhos e manhãs.” Se da Arca de Noé nada restou do sangue desbotado sob a água; de Panthalassa restou tudo: texto original e irretocável, em carne, sangue, ossos e vértebras. 

Edileuza Coelho de Oliveria

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