Escavar a memória, garimpá-la, lapidar as imagens cotidianas, sem contudo, perder as proximidades com o mundo real. Estou falando de Isadora Salazar e o fluído AquarelaBANG – um livro que alarga a esfera da literatura contemporânea, liberta a forma e o rítmo do discurso com um lirismo, por vezes, doloroso. Um livro colorido e úmido que goteja sobre as palavras seis contos que dialogam com as magínificas aquarelas de Thithi Jonhnson, alinhadas como um fio de navalha que corta as flores e os espinhos e revolve a terra-página para um novo plantio de palavras. Mas antes é preciso falar que Isadora é o cenário de sua época, sua escrita conduz à igualdade em uma visão melancólica e cortante do real, invadindo a cena poética como uma boxeadora com luvas de plumas.Sem risco de adormecer no contorno hermético da forma exaustivamente visitada por tantos escritores, Isa ousa com sua leveza sombreada pelas asas de urubus. Thithi Johnson liquefeiça-se sobre os contos, capturando-lhes a alma em poemas fragmentados, içando a palavra que procura cores e formas para traduzir-se. AquerelaBANG é um livro onde se entrelaçam o encantamento das aquarelas e o sobreposto à luz da palavra. Busca no ventre o guardião que vigia as frágeis melancolias. O lirismo de Isadora e as cores de Thithi Johnson deixam-se frequentemente ativar pelo cruzamento dos elementos dos contos, essa visão cotidiana, ou o senso comum, a sobrenaturalidade, ou o non-sense, o que acaba por conferir às aquarelas um efeito surreal com toques de real, subvertendo a linha imaginária do cronológico. E a edição sensível de Lorenna Mesquita é como uma bússola cravada à carne a nos guiar aos múltiplos momentos de Isadora abrindo frinchas ao cotidiano transcrito, mas numa ordem liberta de qualquer clausura. Bonappetit.
Edileuza Coelho de Oliveira é artista plástica, cenógrafa , publica textos no Facebook, e escreve contos de realismo fantástico desde os 15 anos.